Cidades da Próxima Geração: Angola e os mercados urbanos

23 de November de 2020

Figura 1 @Visualvoicee

O Harare Innovation Days (HID) 2019 reuniu membros dos escritórios nacionais do PNUD, "pessoas impactadas pelos riscos de estratégia urbana" e experimentadores de ponta de 23 países de toda a África sob a bandeira das #NextGenCities (Cidades da Próxima Geração), para construir um entendimento comum das interdependências e complexidades das diversas realidades urbanas de África, com tópicos definidos de desafios comuns – como as economias urbanas e a informalidade, a gestão de água, o déficit de empregos e de serviços de resíduos. Pode ler mais sobre o contexto dos HID neste blog publicado antes do evento.

No seguimento do evento, lançámos o programa #NextGenCities2020, que busca melhorar as capacidades para traçar estratégias de intervenções, com base em missões de campo, para lidar com as questões e dinâmicas mais difíceis que a COVID19 veio revelar e piorar. O foco nos portfólios de estratégias tem como objetivo reconhecer e desenvolver activos já existentes, amplificar os esforços que já existem, ir além dos sectores individuais e juntar camadas de intervenções que actuam em várias fases e pontos de entrada. Como Edgar Pieterse, do African Center for Cities na Cidade do Cabo, disse as cidades africanas precisam desesperadamente de “uma abordagem mais coordenada, sequenciada e integrada para o planeamento de infraestruturas, investimento, entrega, manutenção e reparos”. Dois países qualificaram-se para o programa, Zimbábue e Angola - este é 1 de 2 blogs que buscam captar alguns dos primeiros aprendizados, aqui, da equipe de Angola (você pode ler sobre o trabalho que os nossos colegas do Zimbábue estão a fazer aqui).

Figura 2@visualvoicee

Em Angola, estamos a explorar as dinâmicas emergentes dos mercados urbanos num país onde mais de 70% da economia é informal (para sermos mais exactos, 79,6%, em 2020, cerca de 8 milhões de pessoas). Embora não tenhamos dados disponíveis sobre os mercados urbanos (informais) especificamente, cerca de 66% do emprego informal está nas áreas urbanas, com uma percentagem marcadamente maior de mulheres (89,5%) do que de homens (69,6%).

Os mercados apresentam uma dualidade inerente - por um lado, eles são uma fonte de agilidade e resiliência, um dos espaços mais democráticos do país que prospera na diversidade e se adapta rapidamente às ameaças e oportunidades emergentes (uma implicação da COVID é a digitalização rápida de serviços dos vendedores, que estão a expandir os mercados, aumentando a base de consumidores, reduzindo custos de funcionamento e aumentando a eficiência).

Por outro lado, aqueles envolvidos com os mercados urbanos informais enfrentam uma grande exposição ao risco, com pouco ou nenhum acesso a serviços sociais e protecção social. A intenção da nossa equipa em Angola é então criar três efeitos de desenvolvimento nas relações com os mercados urbanos:

·         Promover o reconhecimento e a legitimidade do sistema do mercado urbano a nível nacional, para destacar o valor que ele gera para a sociedade (resiliência, diversidade, diversificação da economia) e referir que 'informalidade' pode não ser o termo adequado para o tipo de valor que emerge destes espaços.

·         Promover o trabalho decente e protecção social para lidar com a grande exposição ao risco e incerteza por que passam aqueles que actuam nos mercados urbanos (contribuindo para os esforços do governo para usar a resposta à COVID como uma forma de projectar programas de apoio de longo prazo para populações vulneráveis e para a informalidade), e

·         Ampliar um sistema de criação de valor nos mercados urbanos que seja adaptável e eficiente, ao incentivar a agilidade e o empreendedorismo (em parte, aproveitando os programas relacionados ao COVID que poderiam melhorar a higiene, o saneamento e as condições gerais nos mercados urbanos).

Figura 3 Representação das dinâmicas que existem nos mercados urbanos em Angola

A paisagem do sistema (imagem acima) dos mercados urbanos em Angola está enquadrada por três elementos críticos que geram dinâmicas centrais neste sistema. Desconstruímos cada um desses elementos através das lentes que consideramos mais relevantes, a fim de entendermos onde intervir no sistema, que geram dinâmicas negativas e positivas que podem ser calibradas para alcançar os efeitos de desenvolvimento desejados:

•             O Capital social que surge nos mercados urbanos e sustenta as suas actividades, que está aninhado nos laços sociais e gera confiança, e que se manifesta através de interações e experiências recorrentes dentro e ao redor dos mercados urbanos. O capital social incorpora a acção individual dos vendedores e a sua agilidade e resiliência e também o valor que reside nas redes de conexão social colectivas que criam mecanismos de protecção (por exemplo, empréstimos colectivos tradicionais e esquemas de crédito para apoio entre pares em necessidades para saúde ou funerais, aquisição compartilhada e transporte de mercadorias) em espaços onde os mecanismos formais não existem. Refere-se também à possibilidade de, através da valorização deste capital, traçar caminho em direção ao reconhecimento do valor social que os mercados urbanos trazem para a sociedade e para a economia.

•             A Governação ou capacidade do sistema de tomar decisões sobre si mesmo, o que, no caso dos mercados urbanos, implica 'regras do jogo' formais e informais. Este elemento reconhece que os mercados urbanos são uma fonte de renovação contínua e surgimento de novos modelos de criação de valor e protecção (por exemplo, serviços auto-organizados de cuidado de crianças em alguns mercados) e uma distância entre estes e as regras formais que influenciam os comportamentos e relacionamentos dentro e ao redor dos mercados urbanos.

Figura 4Jessé Manuel

·         As Determinantes da criação de valor nos mercados urbanos, que em parte promovem o surgimento da capacidade do sistema de tomar decisões (o elemento de governação), em parte a partir das interações sociais e do capital que está embutido no sistema, e em parte impulsionado pela qualidade das condições (infraestrutura, capacidades e cadeias de abastecimento). (por exemplo, 1 casa de banho para 3.000 vendedores, ausência de bancadas de venda ou cobertura, ausência de água canalizada ou electricidade).

Também identificámos vários elementos secundários ou factores que geram um forte impacto no sistema aos quais apenas nos podemos adaptar, ao invés de controlar. Isso pode gerar oportunidades e riscos, por exemplo, a COVID criou um enorme trauma socioeconómico no país, mas ao mesmo tempo, acelerou a transição para meios de comércio mais digitais, o que terá influência na composição do nosso portfólio.

Apresentar a dinâmica dos mercados urbanos usando este tipo de representação visual permitiu-nos identificar as interligações e as relações entre estes elementos, e permitiu-nos identificar posições e pontos de entrada específicos que pretendemos explorar. Consideramos estes pontos como opções estratégicas que queremos tomar, lugares que queremos explorar neste sistema, observar e aprender a fim de estarmos numa posição melhor para produzir uma mudança. Juntas, estas escolhas começam a estruturar o núcleo do nosso portfólio de intervenções estratégicas para transformar os mercados urbanos.

A título de exemplo, pretendemos explorar a conexão entre regulamentaçã, infraestrutura e acções individuais para explorar o potencial das plataformas digitais emergentes de serviços móveis de pagamento e movimentação de dinheiro e e-commerce para expandir mercados e gerar valor. A regulamentação existente não é adequada às necessidades do sector digital e/ou informal, o que requer o desenho de uma nova geração de políticas que poderão facilitar a adesão e a expansão de soluções digitais para novos mercados.

Também queremos explorar a ligação entre as conexões sociais colectivas e a infraestrutura, localizando e explorando os modelos híbridos emergentes de serviços sociais e de protecção social integrados (por exemplo, aulas de leitura e ferramentas digitais para vendedores ou serviços de atendimento infantil pop-up) que poderão permitir uma criação de valor mais dinâmica nos mercados. Este aspecto é especialmente relevante num contexto em que o emprego informal no sector não agrícola em áreas urbanas (incluindo o comércio) é muito maior para as mulheres (78%) do que para os homens (42,5%).

Próximos passos

O caminho a seguir para a criação de melhores condições é reconhecer que o valor dos mercados urbanos auto-organizados (e lidar com a fome urbana no caso dos nossos colegas do Zimbabué) ao promover a resiliência no sistema alimentar da cidade-região não é função de uma ou duas intervenções, mas de um portfólio dinâmico de respostas que aprendem umas com as outras e evoluem ao longo do tempo. É nisto que as duas equipas estão a trabalhar neste momento. O que aprendemos é que há uma necessidade de explorar novas abordagens em que novas formas inovadoras para a governação e construção das cidades (além dos modelos tradicionais de planeamento urbano) podem levar ao alcance dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável, e que essas abordagens, em grande parte, surgem da adaptação e resposta dos próprios cidadãos a mudanças sobre as quais, em muitos casos, eles não têm controlo (por exemplo, COVID).

Novas formas de empreendedorismo, fornecimento de infraestruturas, uso de dados e métodos de tomada de decisão podem criar valor comum e contribuir para o desenvolvimento urbano sustentável questionando os paradigmas estabelecidos de planeamento e desenho urbano, que ainda exigem governação eficaz mas, talvez não do tipo que temos visto evoluir nos últimos cem anos. Portanto, estes dois conjuntos de portfólios de missão urbana (pode verificar o trabalho dos nossos colegas do Zimbábue aqui) são parte de um processo que prevê a tradução da agenda #NextGenCities para a realidade dos desafios de urbanização em África, contribuindo também para a aceleração de mudanças positivas nas instituições de governação das cidades, financiamento, planeamento e mecanismos de mercado em todo o continente.

Fique ligado e entre em contacto se estiver interessado em colaborar!

* As equipes de Angola e Zimbábue são apoiadas por: PNUD Zoe Pelter, Amy Gill e Minerva Novero (equipe de governação) e Milica Begovic, Aylin Schulz van Endert, Prateeksha Singh e Soren Haldrup (Unidade de Inovação Estratégica), Dark Matter Labs (Joost Beunderman , Zehra Zaidi, Meggan Collins, Dan Wainwright) e o Centro Africano para Cidades da Universidade da Cidade do Cabo (Dr. Edgar Pieterse e Liza Cirolia)